O Novo Ateísmo nasceu em 2006. Começo assim para se entender que é um fenómeno recente. Doze anos são tostões no que toca a discussões teológicas e sociais. Foi originalmente um murro na mesa, um grito de alerta contra o literalismo e fundamentalismo religioso. Este alerta tinha como objectivo maior a remoção da religião, se não na sua totalidade, pelo menos das esferas sociais e políticas, remetendo-a para o foro pessoal. Era portanto um ideal humanista e secular e como tal teria tido todo o meu apoio, tivesse-o eu conhecido nessa altura.
Mas hoje, algures num dia chuvoso de novembro de 2018, é evidente para mim que o Novo Ateísmo está longe de ser um fenómeno ou um ideal humanista. É para explicar porquê que estou a escrever este texto. Não me vou alongar mais com a história do fenómeno, apenas descrevê-lo na sua forma actual. A história da sua génese e o impacto das suas maiores figuras fazia parte do plano para este post mas provou ser demasiado extenso e deixarei para uma próxima oportunidade. Assim sendo vou focar-me exclusivamente nas ideias mais fortes e nas suas falhas.
"Aquilo que pode ser afirmado sem evidência pode ser rejeitado sem evidência" é uma frase de Christopher Hitchens que sintetiza este argumento. Daqui se infere que fé é acreditar sem evidência, de onde se infere que fé é irracional, de onde se infere que os crentes são irracionais.
O primeiro problema deste comboio de inferências é que a conclusão final é claramente errada. Afirmar que qualquer crente é irracional porque é crente é um argumento circular e mesmo que não fosse é óbvio que é errado. Um crente pode explicar racionalmente a sua fé. A fé em si não o torna irracional.
O segundo problema é que o argumento de que quem crê é irracional é irrelevante. O argumento inicial é relevante porque define o que é um ateu. As inferências seguintes são irrelevantes e apenas usadas para o terceiro problema: são uma arma de arremesso que desumaniza os crentes. Além de ser um bloqueio a um debate honesto com vista à melhoria da sociedade, esta desumanização coloca os crentes numa posição de inferioridade moral desnecessária. Não há razão nem justificação para tal, o que torna esta posição hipócrita.
Mas hoje, algures num dia chuvoso de novembro de 2018, é evidente para mim que o Novo Ateísmo está longe de ser um fenómeno ou um ideal humanista. É para explicar porquê que estou a escrever este texto. Não me vou alongar mais com a história do fenómeno, apenas descrevê-lo na sua forma actual. A história da sua génese e o impacto das suas maiores figuras fazia parte do plano para este post mas provou ser demasiado extenso e deixarei para uma próxima oportunidade. Assim sendo vou focar-me exclusivamente nas ideias mais fortes e nas suas falhas.
Fé é acreditar sem evidência
O Novo Ateísmo é profundamente inspirado e informado pela ciência e pela razão. Isto implica que para se ter fé são necessárias evidências da existência do Deus objecto dessa fé. Na ausência de tais evidências a posição padrão é o ateísmo. Eu concordo com esta argumentação se ela acabasse aqui."Aquilo que pode ser afirmado sem evidência pode ser rejeitado sem evidência" é uma frase de Christopher Hitchens que sintetiza este argumento. Daqui se infere que fé é acreditar sem evidência, de onde se infere que fé é irracional, de onde se infere que os crentes são irracionais.
O primeiro problema deste comboio de inferências é que a conclusão final é claramente errada. Afirmar que qualquer crente é irracional porque é crente é um argumento circular e mesmo que não fosse é óbvio que é errado. Um crente pode explicar racionalmente a sua fé. A fé em si não o torna irracional.
O segundo problema é que o argumento de que quem crê é irracional é irrelevante. O argumento inicial é relevante porque define o que é um ateu. As inferências seguintes são irrelevantes e apenas usadas para o terceiro problema: são uma arma de arremesso que desumaniza os crentes. Além de ser um bloqueio a um debate honesto com vista à melhoria da sociedade, esta desumanização coloca os crentes numa posição de inferioridade moral desnecessária. Não há razão nem justificação para tal, o que torna esta posição hipócrita.
O Novo Ateísmo é anti-dogmático
Um dos pontos mais badalados pelo Novo Ateísmo são as suas posições anti-dogmáticas. Largamente inspiradas pelo humanismo e pela ciência que defendem a experimentação para criação e melhoria de conhecimento, é apenas natural que o grande ponto de conflito fosse o dogma religioso. Se por um lado reconheço que é provavelmente o seu ponto mais forte e aquele que mais facilmente conseguirá gerar frutos em discussões entre crentes e ateus, não é menos verdade que é de longe a minha maior frustração com o Novo Ateísmo.
O motivo desta frustração é o papaguear repetitivo da versão popular online do Novo Ateísmo. Todo o novo ateu sabe de cor uns sound bytes do Christopher Hitchens, umas refutações de Richard Hawkins aos argumentos filosóficos em defesa da existência de Deus e umas comparações geralmente espirituosas de Sam Harris. Mas tenho dúvidas que tenham reflectido sobre elas, ou lido os livros, ou visto os debates. Consumiram os vídeos de Youtube com os seus obrigatórios 12 minutos ou menos e como se identificaram com os conteúdos, repetem-nos insistentemente, sem reflexão, sem crítica e quando o contraditório lhes é apresentado, papagueiam as respostas sem acolherem os contra-argumentos.
Há um nome para isto: dogmatismo.
Este dogmatismo tornou-se para mim evidente no site Quora. Depois de ter respondido a algumas perguntas sobre religião e ateísmo, reparei que as minhas respostas que não eram exactamente representativas mas antes, Deus nos livre!, vindas da minha cabeça, haviam comentários mais "acesos". Num deles respondi "Eu sou ateu." e para minha surpresa o meu interlocutor respondeu "Ah, desculpa, então não percebi o que querias dizer."
Ou seja, se eu não disser ou escrever exactamente o que se espera de mim enquanto ateu, sou crente, logo sou irracional. O Novo Ateísmo tornou-se dogmático, o que é irónico. Incrível e tristemente dogmático. A antítese daquilo que defende, a cópia daquilo que critica.
Entre a hipocrisia de uma superioridade moral desnecessária e polarizadora e a ironia de estar a repetir os mesmos erros da religião que tanto critica, o Novo Ateísmo na sua versão pop online não é mais do que mais um "ismo" cujo extremo estragou. Mas há esperança. Há muitas vozes que estão consistentemente a espalhar uma mensagem de discussão construtiva e este post é parte disso. Para ser relevante o Novo Ateísmo tem de mudar e ser racional e anti-dogmático.