Meia-noite e treze minutos e eu tenho de me levantar daqui a seis horas. Já devia estar a dormir e hoje (na verdade ontem) já publiquei um artigo por isso porque raio é que estou aqui agarrado ao teclado? Porque ontem (na verdade anteontem, escrever perto da meia-noite é um caos) comecei a ler um livro e quando lhe peguei hoje (...ontem...) não o larguei enquanto não o li todo.
Como um dos planos para o blog era manter uma espécie de best of dos livros que eu leio, decidi vir escrever porque este livro tem várias características peculiares.
Dicionário de Erros Falsos e Mitos do Português, escrito por Marco Neves e editado pela Guerra e Paz é muito mais do que diz o título mas vamos começar por aí.
Existem pessoas que têm uma visão muito própria da lingua portuguesa. Na verdade há pessoas assim para todas as línguas mas vamos ficar pela língua de Camões porque é principalmente sobre ela que o livro trata. Estas pessoas, por muito bem intencionadas que sejam, lidam muito mal com as idiossincrasias da língua. Esperam que tudo seja certo, limado, consistente e a língua, por ter vida própria, não é nada disto. Essa expectativa leva-as a criar ou adoptar erros que apontam aos outros. Só há um pequeno problema, coisa pouca. Esses erros não são erros.
Para que não hajam dúvidas estou a falar de expressões como "copo de água", "queria um café" e "o que é o comer" e sim, isto são erros falsos. Por trás desses erros existem mitos. Este livro é sobre esses erros falsos, esses mitos e, atrevo-me a dizer, sobre as frustrações que o Marco sente ao tentar libertar a língua de todos nós das inseguranças destas pessoas. Cada capítulo aborda um erro falso, a explicação técnica de porque é que o erro é falso e, se for caso disso, o mito ligado à geração expontânea do erro. Melhor ainda, para um livro sobre a língua, escrito por um linguista, é supreendentemente acessível e fora algumas partes técnicas, até informal.
Isto chega para que o livro seja interessante e educativo mas eu não estaria a escrever um artigo à (agora) meia-noite e quarenta e oito se fosse só isto. Há mais e é pessoal mas transmissível porque tu tens uma carinha laroca e és o meu leitor favorito.
Foi o Marco que me fez aperceber da minha própria insegurança com o português num artigo que publicou já lá vão uns anitos. Eu costumava corrigir amigos e familiares e parei por causa desse artigo. As minhas correções não eram tanto erros falsos, o único em que caí foi "o comer" que admito continuar a não gostar mas que reconheço hoje que não é um erro. O tipo de erro é irrelevante. O que é relevante é a atitude e a insegurança.
Pareceu-me, e desculpa-me Marco se isto é falso, que o Marco procura defender a naturalidade, beleza e diversidade da língua portuguesa contra uma espécie de superioridade intelectual mal informada, falaciosa e por vezes extremada e até feroz. Talvez eu esteja a ver um alcance que não existe ou que não foi intencional mas revejo-me nesta defesa, não da naturalidade, beleza e diversidade da língua portuguesa, mas das ideias, do diálogo e do conhecimento. Este blog e as muitas conversas que tenho tido ao longo dos últimos meses são um reflexo disso.
Todos nós temos uma relação pessoal com aquilo que lemos. No caso deste livro foi surpreendente. Por um lado porque não a esperava. A minha expectativa era ler um livro divertido sobre a língua portuguesa e pelos motivos que já expliquei foi bem mais do que isso. Não te consigo garantir que este ou qualquer outro livro cliquem contigo mas consigo-te garantir que é um livro didático, leve, divertido e com o qual se pode aprender imenso sobre esta língua fabulosa que nós falamos.